A
inveja e o Sapo Barrigudo
Era
uma vez... Era uma vez, um sapo barrigudo, de pele enrugada, olhos esbugalhados
e garras afiadas. Passava os dias coaxando no pântano. Um dia, de repente, viu resplandecer no ponto
alto de uma rocha, um lindo vaga-lume.
Mortificado
pela inveja e impotência diante de tanta beleza, saltou até o local onde estava
o vaga-lume, e o cobriu com o seu ventre gelado. Estupefato o vaga-lume
perguntou-lhe:
Por
que me cobres? E o sapo inflado pela inveja, respondeu-lhe:
“Por
que brilhas”.
Segundo
o dicionário Aurélio, a inveja é o desgosto ou pesar pelo bem ou felicidade de
outrem. Desejo violento de possuir o bem alheio.
A
inveja é um sentimento que expressa um comportamento associado ao ato de
dissimular, fingir, falsear e mentir. É um sentimento carregado de negatividade
e destrutividade. Talvez, seja o único dos “pecados capitais” que não merece
comiseração.
Podemos
tolerar o bom e o mau, a mentira e a verdade, o amargor e a doçura, a
deslealdade e a lealdade, mas, em relação à inveja não encontramos
correspondente para atenuar nossas falhas. A aversão é milenar e, portanto,
precisa ser camuflada, escondida. O invejoso nunca pode mostrar verdadeiramente
os seus sentimentos. A inveja não merece perdão.
A
inveja traz consigo a devastação e a catástrofe. Ao longo da história da
humanidade o ser humano aprendeu a se precaver contra ela. Cada cultura
desenvolveu recursos na forma de amuletos, já que ela está associada ao “mau
olhado”, à má sorte.
Assim,
a figa é colocada nas portas das casas ou nas roupas dos recém-nascidos como
forma de evitar quebranto. Surgem as benzedeiras que se utilizam de ervas como
arruda; espada de São Jorge ou Santa Bárbara e a guiné para evitar esse mal.
Para
os judeus, as tefilins e os mezuzás são símbolos de proteção contra a inveja.
E, a maioria dos ritos africanos, está voltada para cortar esse mal. Amuletos;
plantas; defumações; danças religiosas; dentes de elefantes; metais, pulseiras
etc. são utilizados com esse fim.
“Melanie
Klein, (1975) em seu livro “Inveja e Gratidão” classifica a “inveja como um
sentimento raivoso, causado por outra pessoa possuir e desfrutar algo desejável
por mim” pressupõe a relação do individuo com uma só pessoa”.
O
estado de quem inveja é extremamente doloroso. Aquele que inveja vive um eterno
sofrimento para conseguir enfrentá-la, já que seu rosto se contrai muitas vezes
se ruboriza de raiva, suas mãos transpiram e, dificilmente, consegue esconder
seus sentimentos. A inveja é um sentimento endêmico que surge nas nossas vidas
a partir de situações de frustrações e comparações.
O
mecanismo básico responsável pelos sentimentos do invejoso é a comparação; e
esta é uma forma de aprendizado muito comum em nossa sociedade. Desde pequenos
ouvimos de nossos pais... Seu irmão é mais inteligente; fulano é mais
esforçado.... Nosso sistema de ensino é todo voltado para a competição onde se
valoriza o primeiro lugar e não as competências e realizações de cada um. Nossa
sociedade é competitiva e comparativa. Logo, a inveja é sentida e apreendida
por nós precocemente.
O
sucesso de alguém passa a ser sentido para o invejoso como ofensa pessoal,
pois, o comportamento exteriorizado é o da competição. Competição interna
consigo mesmo, no seu inconsciente. Isso gera infelicidade e tristeza que o
invejoso não pode admitir. Ele precisa sempre criticar ou tirar o brilho do
sucesso do outro. A inveja tem uma grande máscara que é o despeito. “Também”...
teve sucesso por que seu pai o ajudou... olha a família que ele tem”.
Para
que se estabeleça a inveja é necessário que ocorram duas situações: não se
tolerar o sucesso do outro e sentir-se um enorme prazer pela mágoa do outro. Na
inveja o alvo é o outro, mesmo que sua situação financeira e posição social
sejam inferiores. Passamos a ser prisioneiros da vida do outro. Sonhamos com
sua destruição... Destruição que nos dá um prazer enorme. A destruição do outro
passa a ser nossa fonte de prazer.
A
inveja incorpora a ganância e o ciúme. É um ódio que não consegue ser acalmado,
aplacado. Passamos a desenvolver fantasias de destruição do outro, ou como
poderíamos nos vingar. “Puxa... seria muito bom se ele desaparecesse... ou
talvez, morresse”.
O
invejoso é normalmente inseguro, irritadiço, desconfiado, observador minucioso
e sempre alerta contra tudo e contra todos. Aparenta superioridade, quando na
realidade sente-se inferiorizado. Apresenta-se diante das situações com ar de
sarcasmo e ironia, mas na realidade se consome e se remoem por dentro. Esse
comportamento leva a exaustão. Na realidade, sente um vazio interno muito
grande.
Infelizmente,
a inveja passou a ser um sentimento básico de quase todo o povo brasileiro.
Sociedades consumistas são as sociedades mais invejosas e mais desejosas do
“TER”. Invejamos a pessoa rica e famosa que pode realizar viagens, comprar joias,
trocar e comprar casas, realizar festas, mesmo que muitas vezes isso não tenha
sido conseguido de uma maneira lícita.
Perdemos
a nossa capacidade de raciocínio e bom senso. Por incrível que pareça adoramos
ser invejados pelas coisas que conquistamos antes dos outros. Podemos exibi-las
demonstrando todo o nosso charme, poder e riqueza. A inveja é um sentimento
humano intenso e poderoso.
Adotamos
modismos mesmo que sejam ridículos e cafonas em nome da inveja...; precisamos
ter o cabelo de determinada atriz, a roupa de outra... Programas televisivos
onde há fuxico, intrigas, boatos, fofocas, passam a ter sucesso nas redes de
TV.
Vibramos
com o sucesso do mau caráter, com as falcatruas dos personagens, pois, sabemos
que a riqueza, na vida real, é para poucos. Nas novelas podemos nos identificar
com as personagens e sentirmo-nos participantes. Podemos exibir livremente
nosso comportamento invejoso sem que sejamos criticados por isso.
Chegamos
ao absurdo até de invejar comportamentos desonestos, achando que vale a pena
para ser bem sucedido. Isto faz uma cisão no comportamento e crescimento de
nossa sociedade. A inveja torna o ser humano um grande predador em busca do
TER. A crença e o sentimento de TER e fazer para que o outro não tenha, acaba
causando profundas diferenças sociais que já estamos sentindo no processo de
evolução da humanidade.
Finalizando:
“Círculo Vicioso” Machado de Assis (uma poesia sobre a inveja)
Bailando
no ar, gemia inquieto vaga-lume:
-Quem
me dera que eu fosse aquela loura estrela,
Que
arde no eterno azul, como uma eterna vela!
-Mas
a estrela, fitando a lua, com ciúme:
-Pudesse
eu copiar o transparente lume,
Que,
da grega coluna à gótica janela,
Contemplou
suspirosa, a fronte amada e bela!
Mas
a lua, fitando o sol, com azedume:
-Mísera!
Tivesse eu aquela enorme, aquela claridade imortal, que toda a luz resume:
Mas
o sol, inclinando a rútila capela:
-Pesa-me
esta brilhante auréola de nume…
Enfara-me
esta azul e desmedida umbela…
Por
que não nasci eu um simples vaga-lume?
Bibliografia:
ALBERONI,
F. Os invejosos- Uma investigação sobre a inveja na sociedade contemporânea.
Rio de Janeiro, Rocco, 1996.
BERGER,
P. A construção social da realidade. Petrópolis, Vozes, 1976.
CAMPBELL,
J. As máscaras de Deus. São Paulo, Palas Athena, 1994.
FREUD,
S. Obras completas. Rio de Janeiro, Imago.
Por
Heloisa Garbuglio
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